O lexema complexo autobiografia é de origem alemã (Autobiographie), tendo sido pela primeira vez usado em 1789, por Friedrich Schlegel. A partir de 1800, surge com frequência na maior parte das línguas europeias. Esta formação do lexema resulta, em grande medida, do impacto que em toda a Europa tiveram as Confessions, de Rousseau, arrastando consigo o reconhecimento da existência de um novo género literário, num momento em que, aliás, se assistiu a uma verdadeira eclosão de géneros literários intimistas [o diário, as memórias (memorialismo), as narrativas de viagens, p. ex.]. Este novo género, porém, de acordo com a maioria dos estudiosos, não tem a sua origem nas referidas Confessions, mas sim nas Confissões, de Santo Agostinho. […]
A autobiografia, enquanto narração posterior e contínua distingue-se do diário, género fragmentário e não exclusivamente narrativo; das memórias, género em que a intenção documental articula o eu com o seu contexto histórico-cultural; das confissões, género que, originário da «literatura espiritual», conserva, na cultura secularizada dos nossos dias, a dimensão ética e judicativa própria da contrição; e ainda de certos géneros que lhe são tangenciais, como a epistolografia, a crónica, os relatos e diários de viagem. […]
Esta delimitação, nem sempre nítida, complica-se se fizermos intervir na análise um género como o romance autobiográfico, que vem fragilizar a coincidência de identidade entre personagem central, narrador e autor, ou seja o «pacto autobiográfico» apontado por Philippe Lejeune como critério distintivo da autobiografia. A questão, bastante complexa, ajuda a compreender as razões que conduziram a que a autobiografia seja hoje um dos géneros mais estudados e teorizados, já que ela levanta problemas recenseados já por Aristóteles – a relação entre realidade e ficção, por exemplo. […]
A teoria da autobiografia, […] terá passado por três etapas correspondentes aos elementos constituintes do lexema: o autos, o bios, e a graphé. Inicialmente, a crítica vê nos textos autobiográficos uma reprodução fiel da vida (bios). Na segunda etapa, em que a atenção se centra no autos, a autobiografia é vista como re-criação mais do que como reprodução. […] Finalmente, analisando a graphé, a crítica […] insistirá em que a fronteira entre autobiografia e ficção é de demarcação impossível.
Osvaldo Silvestre, «Autobiografias», in Biblos, Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa, Lisboa/S.Paulo, Verbo, 1995
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