Os dois poemas que vou apresentar: “O Infante” e
“Horizonte”, fazem parte da segunda parte da obra - “Mar Português”- , ou seja
à época de realização dos portugueses, que vem depois do nascimento. É como se
a realização da vida dos portugueses tivesse sido feita através do mar.
O primeiro poema “O Infante” é constituido por três estrofes, de 4
versos cada (quadras). Têm rimas cruzadas segundo o esquema: abab, cdcd, efef
Segunda parte: Mar
Português
O INFANTE
Deus quer, o homem sonha, a obra
nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não
separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
E a orla branca foi
de ilha em continente,
Clareou, correndo. até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
Quem te sagrou
criou-te português..
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
Este
poema está escrito como se fosse dirigido ao Infante, que é o Infante D.
Henrique. Podemos ver isso através do tratamento na segunda pessoa, no último
verso da primeira estrofe “Sagrou-te,
e foste desvendando a espuma,” e nos dois primeiros versos da última
estrofe:” Quem te sagrou
criou-te português” e “Do mar e nós em ti nos deu sinal.” Fernando Pessoa joga
com o verbo sagrar; “sagrou” e “sagrou-te”,
lembra-nos que D.Henrique foi Infante de Sagres e o nome da Vila de
Sagres tem origem na palavra sagrado,
pois os romanos chamaram aquela ponta mais a sul de Portugal “promontorium
sacrum”, ou seja promontorio sagrado.
Neste poema Fernando Pessoa começa por afirmar que “Deus
quer, o homem sonha e a obra nasce”, portanto as obras, (que neste caso são os
descobrimentos), nascem porque os homens sonham, e os homens sonham por vontade
de Deus. Depois diz que Deus quis que a terra fosse apenas uma, ligada por mar,
daí a importância de descobrir os caminhos marítimos para que o mar não fosse
um elemento de separação, mas sim um elemento de união. No último verso,
dirige-se ao Infante dizendo-lhe que ele foi sagrado infante e responsável por
desvendar a espuma ou seja por descobrir os mistérios do mar
Na segunda estrofe, O autor continua a falar da espuma e
da orla branca, a espuma branca das ondas que as naus provocam é uma metáfora
que significa avançar e descobrir. Depois, tornou-se claro, á medida que as
naus foram avançando e que se conheceu o mundo inteiro, que a Terra era
redonda, desfez-se o mistério.
Na última estrofe o autor volta a dirigir-se ao Infante e
a invocar Deus. Diz que Deus criou o Infante Português e através dele nos fez
conhecer o mar. No terceiro verso o autor afirma que os descobrimentos foram um
êxito, mas que depois o Imperio se desfez, e no último verso, faz um apelo a
Deus para que se cumpra Portugal, ou seja Fernando pessoa utiliza este poema,
aparentemente dirigido ao infante, para chamar à atenção que naquele tempo Deus
quis que os Portugueses tivessem o sonho dos descobrimentos e essa obra foi
feita. Depois o imperio foi desfeito e atualmente (no tempo em que o poema foi
escrito) é necessário que Deus faça os portugueses voltar a sonhar para
construírem Portugal. Aqui notamos mais um ponto em comum com os Lusíadas que
ao mesmo tempo que narrava os feitos, fazia as suas críticas.
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O Poema Horizonte e constituido por três estrofes,
cada uma com seis versos com uma rima do tipo aabccb, ddeffe, gghiih.
Il. HORIZONTE
Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinhamn coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
‘Splendia sobre as naus da iniciação.
Linha severa da longinqua costa —
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha:
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, ha aves, fiores,
Onde era so, de longe a abstrata linha
O sonho é ver as formas invisiveis
Da distáncia imprecisa, e, com sensiveis
Movimentos da esp'rança e da vorntade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave. a fonte--
Os beijos merecidos da Verdade .
O título do poema “Horizonte”, lembra a linha que separa
o que está perto de nós, o que conhecemos, do que está longe, para além da
nossa visão e por vezes nos assusta porque é desconhecido.
O poema começa com o autor a dirigir-se ao Mar anterior a
nós. “Ó mar” é uma apóstrofe, o autor dirige-se a um mar antes de nós, ou seja
a um mar que nós não conhecíamos, um mar do passado. Esse mar tinha coral,
praia e arvoredos, isto é conheceram-se outros mares, outras ilhas e
continentes. Depois, uma vez passadas a noite as tormentas e a cerração, ou
seja a escuridão, as tempestades e o nevoeiro que simbolizam o medo e o
desconhecido, desfaz-se o mistério, “abre-se o Longe”, ou seja abre-se o
horizonte e o que era longe fica perto e assim se atinge a luz, isto é o
conhecimento e a descoberta. “As naus da iniciação” representam os rituais de
iniciação que são rituais de passagem para um novo ciclo na vida com novas
descobertas e conhecimentos. Estes 6 versos parecem estar divididos em 3+1+2. No início 3 versos escuros que representam o desconhecido, utilizando as
palavras “medos, noite, cerração”, depois 1 verso, que parece funcionar como
uma cortina que se abre “as tormentas passadas” e a seguir 2 versos claros com
as palavras “abrir em flor, sul sidério e splendia” que representam a
descoberta.
Na segunda estrofe em vez de termos um jogo de escuro e
claro temos um jogo de longe e perto, com o ritmo, LPLPPL. Em que nos vamos
sempre aproximando da costa, mas com esta alternância que parece uma ondulação
entre mais perto e mais afastado.
No primeiro verso, fala-se da linha de costa que está
ainda longe, no segundo verso a nau aproxima-se e vê-se a encosta cheia de
árvores, e no 3º verso recorda-se que ao longe nada se conseguia ver. No quarto
verso está-se ainda mais perto a então vê-se a terra com os seus sons e as suas
cores, no 5º verso a costa é atingida, desembarca-se, veem-se as flores que
antes eram apenas cores e as aves que antes eram apenas sons, finalmente no 6º
verso, conclui-se que o local onde agora se está, dantes era apenas a linha do
horizonte. Do ponto de vista simbólico atingimos um novo grau de conhecimento.
A última estrofe dá-nos uma definição de sonho como sendo
“a possibilidade de ver as formas invisíveis da distância imprecisa”, o que
acontece quando nós tentamos ver o que está muito longe, e imaginamos mais do
que conseguimos ver, dando-nos vontade de ir descobrir o que é, de ir mais
além, de ver mais longe. Depois o autor acrescenta, “e com sensíveis movimentos
de esperança e de vontade, buscar (na linha fria do horizonte, ou seja no ainda
desconhecido) a arvore, a praia, a flor, a ave a fonte, (que são agora belezas
ao alcance dos nossos sentidos, são as novas descobertas) ”os beijos merecidos
da verdade”, que representam o amor pela descoberta e pelo conhecimento.
Se quisermos fazer uma comparação com os Lusíadas, esta
estrofe que vem a seguir à estrofe do desembarque, e que define o sonho como
fonte do desejo de alcançar novas verdades, aparece como se fosse a ilha dos
amores, que surge como recompensa do esforço dos navegadores. Aqui, a nomeação
da árvore, da praia, da flor, da ave e da fonte, assemelha-se a um paraíso onde
encontramos os “beijos merecidos da verdade”. Aqui, as ninfas da Ilha dos
amores são as novas descobertas, isto é, a verdade.