terça-feira, 3 de maio de 2011

Uma Justiça Pouco Justa

O livro “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll, levanta uma enorme variedade de “problemas”. Na altura da leitura do livro, o tema que mais “problemas” me suscitou foi o da justiça. Deste modo, a minha reflexão irá incidir sobre o tópico da justiça.
“Alice no País das Maravilhas”, um livro, só à primeira vista, para crianças, apresenta uma ideia de justiça muito peculiar. O princípio de justiça em “Alice no País das Maravilhas” está presente ao longo da acção, mas mais evidente em duas situações específicas: a primeira, no julgamento do Rato, em que a Cadela Fúria é juíza e jurada, e a segunda, no tribunal, no julgamento do Valete.
Na primeira situação, a teoria de justiça é tratada como um meio para a Cadela Fúria alcançar o seu principal objectivo - comer o Rato. A Cadela Fúria serve-se da teoria de justiça, deturpando-a, para julgar o Rato de um crime que este não cometeu. É um julgamento em que a Cadela Fúria faz os papéis de juíza e jurada e em que o Rato é considerado, logo à partida, como culpado. Denoto a presença de uma enorme prepotência, na medida em que a Cadela Fúria aproveita a sua condição de maior e mais forte para se alimentar de um animal menor e mais fraco, pondo, então, em prática as teorias darwinistas, ou seja, a prevalência do mais forte sobre o mais fraco. As teorias darwinistas podem ser também aplicadas, embora de diferente forma, à vida em sociedade. Fala-se, então, de um “darwinismo social”, muito evidente no julgamento do Valete.
Na segunda situação, no julgamento do Valete, o Rei e a Rainha de Copas abusam do seu poder, da sua autoridade e da sua elevada posição hierárquica para julgar e punir os seus súbditos, de uma forma, completamente, arbitrária. O principal interesse do Rei e da Rainha de Copas é punir alguém, seja esse alguém culpado ou não. Fazem uso da sua liberdade de escolha para decidir quem, conforme a sua vontade, deve ser julgado e punido. Não importa se houve, efectivamente, alguém a cometer algum tipo de infracção, importa apenas que alguém, culpado ou inocente, seja acusado e condenado.  Para o Rei e para a Rainha de Copas, importa, sobretudo, que haja crimes e julgamentos, discussões e confusões, arguidos e público para assistir aos julgamentos. Apesar de ser para mim uma total perda de tempo, para eles, tudo isto importa, nem que seja para demonstrar e fazer valer o seu poder e a sua autoridade. É um procedimento sem base na lei, um capricho, no qual a Rainha de Copas, uma espécie de “dama de ferro”, exerce os poderes político e judicial sob a forma de uma ditadura. Esta justiça, baseada nos pressupostos de arbitrariedade e prepotência, é o tipo de justiça vigente nos regimes autoritários como é o da monarquia (absoluta). É uma sociedade onde os ideais democráticos e liberais não têm lugar. Num regime monárquico autoritário como este, o Rei/a Rainha detém os poderes judicial e político, correndo-se o risco de os dois interferirem um no outro. Ora, num estado democrático como o nosso, estes poderes têm, obrigatoriamente, que ser separados, ou seja, exercidos por órgãos diferentes e autónomos.
Fala-se, portanto, de uma justiça sequestrada, condicionada, desvirtuosa, corrompida, ilusória, parcial. Fala-se, no fundo, de uma “justiça pouco justa”. Uma justiça que não foge ao contexto daquele lugar: uma justiça extraordinária, irreal. Percebe-se que a teoria de justiça não está em conformidade com a verdade, ponto fulcral de uma justiça autêntica, servindo de intermediária para a realização dos interesses pessoais dos mais fortes ou poderosos. Uma justiça autêntica deverá ser, portanto, uma justiça verdadeira, imparcial, incorruptível.
Toda esta metáfora introduzida, brilhantemente, por Lewis Carroll, remete a minha atenção para a justiça dos dias de hoje. Será a justiça dos dias de hoje semelhante à justiça presente em “Alice no País das Maravilhas”? Será a justiça dos dias de hoje dominada pelos mais poderosos e influentes?

J. Aragão

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