terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Impressões de Viagem

Santarém, 28 de Novembro de 2011

     O dia estava luminoso, o céu limpo. Estávamos a chegar a Rio Maior. Os imensos campos verdes e os rebanhos que nele pastavam, iam lembrando que a região era rural e que, por o ser, a terra negra respirava e não era asfixiada pelos homens como na cidade, as árvores gozavam a liberdade de serem penteadas pelo vento e as estrelas apareciam de noite sorridentes. Ainda no autocarro, olhei aquilo que me parecia um campo de oliveiras. A paisagem era sublime! Que maravilha! As muitas gotinhas de orvalho reflectiam a tímida luz solar nas ervas rasteiras como um chão salpicado de estrelas brilhantes, enquanto a neblina matinal caía sobre a terra a turvar o horizonte. O verde das folhas, o negro da terra, o azul do céu, tudo atingia o ponto máximo de perfeição. Tudo me parecia belo! Estranhamente belo, diria, na consciência de que, noutro dia qualquer, o mesmo olival que agora me prendia o ser, tão simples e vulgar, me teria passado completamente despercebido. Subitamente, veio-me à memória Werther, personagem de um romance de Goethe, que, por estar feliz e tendo o coração aberto, via um paraíso a cada passo e reconhecia na natureza a total realização da sua existência. Ao que parece, também eu estava feliz e disso não tinha dado conta. Estava feliz e não sabia porquê. Não sei sequer se tem que haver razões que justifiquem a felicidade. Não sei nada. Sei que, naquele momento, a paisagem deliciava-me. Tinha sabor a Sol. Sabia que, estando feliz, a palavra morte era apenas mais uma a navegar sem rumo no mar dos sentidos. De resto, nada sei se nunca morri.

     De tarde, já no centro histórico de Santarém, foi uma outra situação que me prendeu a atenção. Vi um grupo de quatro, cinco velhos sentados no banco de um jardim. Nisto, tudo me teria parecido normal. Contudo, os velhos permaneciam imóveis, calados, acanhados; e isso impressionava-me. Não falavam, talvez com medo de gastar as palavras já gastas. Duvido que pensassem. Não imaginam, certamente, que na realidade, não estão sentados naquele banco, estão sim sentados à beira da vida. Esta passa por eles e não os olha; eles, porventura, olham mas não a vêem. Deixaram de sonhar, perderam a esperança. Não vivem; deixam-se viver. Limitam-se a existir. Acho que choram sem lágrimas. Trazem um olhar vazio e uns olhos sempre fixos que não fixam ninguém. São sombras do que foram e estão sós, mesmo quando acompanhados. São almas mortas à espera que o corpo pereça.
J. Aragão

Sem comentários:

Enviar um comentário