Eu ia, de fato, com um fato. Passei-lhe a mão pelo pelo. Fiz um pato de não agressão com o meu pato. Consegue gostar destas frases? Pois, acredito que não. Está como eu, então. No entanto, é a isto que nos sujeita este novo Acordo Ortográfico, um acto neo-colonial, em que o mais forte (o Brasil) determina a sua vontade ao mais fraco (Portugal). Nem sei se a isto se pode chamar acordo, tendo em conta que um acordo exige sempre reciprocidade e, neste caso, foi Portugal que cedeu à vontade brasileira. É a primeira vez na História que uma ex-colónia impõe uma revisão linguística ao país matriz. Já imaginou os Estados Unidos a ditarem à Inglaterra as regras ortográficas da língua inglesa? Ou a Venezuela as do espanhol a Espanha? Ridículo. Não consultaram os profissionais que trabalham diariamente com a nossa língua: escritores, jornalistas e professores. Nem em Portugal nem no Brasil. Ninguém foi ouvido. Por trás deste acordo, estão escondidos meros interesses políticos e económicos. Querem pôr-nos a escrever como os brasileiros, para que seja facilitada a sua penetração e influência nos países de expressão portuguesa. Não aceito. Recuso-me a ver a minha língua como coisa velha e descartável.
Confesso-me a favor de um referendo nacional. Julgo ser esta uma questão de interesse nacional que deve ser discutida dentro de fronteiras. Alterarem a nossa forma de escrever sem nos consultarem é um atentado à nossa identidade, através de um processo que é tudo menos democrático.
Porque este é um acordo feito ao nível da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), será importante referir que os países africanos falantes da língua portuguesa podem vir a rejeitar estas novas regras linguísticas que não lhes fazem sentido nem ao ouvido, nem à escrita. Em jeito de exemplo, em Angola, apenas dez por cento da população fala bem o português, o resto não fala. Com este acordo, esta percentagem diminuirá certamente.
Dizem que a língua portuguesa sempre evoluiu ao longo da História deste país. Verdade. Vem-me agora à memória a palavra “farmácia” que nem há um século atrás se escrevia “pharmácia”. No entanto, não é, de maneira nenhuma, um argumento válido. A língua portuguesa sempre evoluiu, mas nunca desta forma tão repentina, violenta e não democrática. Dizem que irá facilitar a penetração da literatura portuguesa no Brasil mas esqueceram-se de ouvir os autores portugueses. A literatura portuguesa no Brasil está bem e recomenda-se. Só por exemplo, Fernando Pessoa é o poeta mais vendido no Brasil, ultrapassando poetas brasileiros como Vinicius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade. Dizem que nós, os portugueses, temos que nos sujeitar ao português do Brasil, porque eles do lado de lá são cerca de cento e noventa milhões e nós somos apenas dez milhões. Quanto a este facto, tenho a dizer que a contagem das cabeças pouco ou nada interessa. A diferença de escala não importa, a verdade é que, com este acordo, o português de Portugal fica sob a alçada do português do Brasil.
Nas palavras de Bernardo Soares, “a minha pátria é a língua portuguesa”. Os portugueses são a sua língua, a língua portuguesa como sempre a escrevemos e falámos e não aquela que nos querem impor. Sem a nossa língua, os portugueses não são portugueses, são outra coisa qualquer. A língua portuguesa de Camões, Pessoa e Saramago, não a de Vinicius, Buarque e Jobim.
Acordo não, obrigado. Não queremos e, sobretudo, não precisamos.
J. Aragão
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