quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Actéon


«Haverá visão mais louca do que a que se oferece, por entre as folhagens afastadas, aos olhos de Actéon?
Sonhará ele de modo tão intenso em pleno meio-dia, ao som da trompa? Terá sido o acaso ou o tacteante desejo que conduziu os seus passos na via da salvação, para o seio da maldição? Terá ele acreditado verdadeiramente que a virgem, na sua inalcançável divindade, era alcançável? Teria sido ele quem dava a esta teofania as suas formas? Seria ele o exegeta? Ter-se-ia oferecido Artemisa aos escultores, se Actéon não se tivesse aproximado dela? Seria uma cilada da sua imaginação venatória que ele desejava armar ao seu génio tutelar? Mas que ideia querer surpreender o princípio fundador da sua vocação, para o pôr em causa! E será necessário ser-se tão louco para supor que a divindade vai descansar, despir-se e alegrar-se na água? E acreditar que ela se aborrece, e que esse aborrecimento tão raro, que vos proporcionará um divertimento exclusivo e vos encherá de um privilégio que colhereis como uma baga selvagem?
Estaria Actéon farto da caça? Adivinharia um sentido mais profundo da sua inutilidade? Numa palavra: deixar a presa pela sua sombra, não é o segredo de todos os caçadores, pois que os bens terrenos são a sombra dos que hão-de vir? Mas se o Reino pertence aos violentos, Actéon deu o primeiro passo na via da sabedoria quando se aproximou desse arbusto ardente que ele afastou, como o primeiro dos videntes em marcha, armados e mascarados.»

Pierre Klossowski, O Banho de Diana

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