sábado, 20 de outubro de 2012


Os Lusíadas, Canto VI (70.94) - Momentos centrais

Neste instante o mestre toca o apito. Os marinheiros acordam em ambos os bordos. O mestre manda recolher os traquetes das gáveas, porque o vento está a aumentar. “Alerta!” diz ele, que o vento aumenta com aquela nuvem negra que avista. Ainda os traquetes não eram bem tomados quando o temporal cai sobre o navio. “Amaina, brada o mestre, amaina a vela grande!” Mas antes que façam a manobra os ventos furiosos fazem a vela em pedaços como um ruído que pareceu destruir o mundo. O terror da tripulação é grande e a gritaria fere os céus porque, no momento em que o vento rasgou a vela, a nau abanou muito, e meteu muito agua pelos bordos “Alija, ordena o mestre, alija tudo ao mar! Corram outros à bomba, que nos estamos a alagar!” Os corajosos soldados correm a dar à bomba; os balanços do navio são tão violentos que os atiram todos para um dos bordos. Três homens não chegam para governar o leme; tentam agarra-lo com cordas, presas a um e outro lado, mas todos os esforços são em vão. Os ventos eram tão fortes que o não poderiam ser mais, ainda que viessem para derrubar a Torre de Babel. A grande nau parece um pequeno batel nas ondas gigantescas, e até espanta ver como se aguenta no mar. Na grande nau de Paulo da Gama, o vento quebra o mastro pelo meio e vai toda alagada; a gente chama por aquele que veio ao mundo para a salvar. Também há gritos no navio de Nicolau Coelho, se bem que ai o mestre houvesse tido a cautela de amainar a vela antes do tufão. As ondas ora levantavam os navios até as nuvens, ora os faziam descer até parecer que lhe queria mostrar o inferno. Os ventos queriam arruinar a maquina do mundo; na noite negro fuzilavam raios que incendiavam o céu  As aves marítimas faziam ouvir o seu triste canto junto da costa brava, recordando o seu pranto por causa de um naufrágio; os delfins namorados escondem-se nas suas covas, fugindo à tempestade e aos ventos que nem no mar os deixam estar seguros. O sórdido ferreiro que fez as armas do enteado Eneias não fabricou tantos raios durante a guerra dos gigantes; nem Júpiter arremessou tantos relâmpagos durante o dilúvio do qual só se salvaram os dois que transformaram pedras em gente. As valentes ondas derrubaram montes, velhas árvores foram arrancadas pelos ventos caléricos, sem nunca terem pensado que as suas fortes raízes pudesse desenraizar e, também as areias profundas nunca imaginariam que pudessem ficar em cima. Vasco da Gama, vendo-se perdido quando já estava tão perto do seu objectivo, confuso de tremor  implora aquele remédio para o qual nada é impossível por estas palavras: “Divina guarda, que governas os céus  o mar e a terra: Tu que salvaste o povo de Israel no mar vermelho, que livras-te S. Paulo do seu naufrágio, que resgvardas-te da morte de Noé e os seus filhos. Se eu já passei por perigos novos, mas tão terríveis como o são os de Cila e Caríbdis, ou os da Sirtes arenosas, ou o dos Acroceráunios malditos  porque nos desamparas no fim de tantas horas difíceis  se este nosso trabalho, longe de te ofender só pretende servir-te?. Ó! Dilosos os que morreram entre as lanças africanas, dando a vida pela fé!. Ao menos desse ficou a memória gloriosa de que ganharam a vida, com perdê-la, porque a honra com que morre tornam a morte mais doce. Enquanto Vasco da Gama dirige aos céus esta súplica, os ventos bramam furiosamente como touros que lutam, e assobiam nas cordas do navio. Relâmpagos medonhos, trovões imensos, parecem quer que o céu saia dos seus êxitos e desabe sobre a terra. Mas já a estrela da manhã brilhava no horizonte. A Deus Vénus, de quem foge Orionte, ao ver o estado do mar e a situação da armada portuguesa, sentiu-se tomada pelo medo e pela ira. “Isto são, com certeza, obras de Baco”, diz a deusa. “Mas ele não vai conseguir o que quere, porque eu descubro sempre os seus maldosos atrevimentos” E dizendo isto desce rapidamente ao mar e ordena às Ninfas amorosas que se enfeitem com grinaldas de rosas. Manda por grinaldas de varias cores, que desafiam os cabelos louros das Ninfas. Quem não dirá que há rubras flores debaixo daquele ouro natural que Amor enfia? E decide (Vénus) abrandar com amores a força dos ventos, mostrando-lhes as amadas ninfas, mais famosas que as estrelas. Logo que os ventos vêm as Ninfas, sentem-se sem forças para lutar. Os cabelos delas, mais luminosos que os raios, ataram-nos de pés e mãos. A Linda Oritia fala deste modo ao vento Bóreas, de quem era amante: Não creias, Boreas , que eu acredite que me tivesses alguma vez amado verdadeiramente  a brandura é o mais certo sinal do amor. Se puseres imediatamente fim a esta ventania, nada mais esperas de mim, porque contigo a o amor verte-se em medo. Do mesmo modo a linda Galateia dizia ao feroz Noto que bem sabia que ele há muito já não tirava os olhos dela, e bem crê que ele alcance o que pretende. O valente vento nem pode acreditar no que ouve; o coração mal lhe cabe no peito, de contente e logo abranda a sua fúria  Também as outras ninfas amansaram os ventos seus amantes, que se renderam todos ao amor. Vénus prometeu favorecer os seus amores, e deles recebeu homenagem, e a promessa de que lhe seriam leais nesta viagem. Já a manhã iluminava os outeiros das terras onde o Ganges corre quando, do alto da gávea, os marinheiros enxergam terra pela proa. A tempestade passou, desvanecem-se os temores. O piloto melindano diz: “Terra é de Calcute  se não me engano”. É esta a terra que buscais, a verdadeira Índia  Os vossos trabalhos terminam aqui. Vasco da gama não contém a sua emoção por se achar em terra conhecida e, de joelhos no chão erguendo as mãos aos céus  deu graças a Deus. Dava graças a Deus, e razão tinha para as dar: não somente encontrava a terra que com tanto trabalho procurava, como se via livre das ameaças de morte no mar, como quem desperta de um terrível pesadelo.

Tiago Oliveira, nº22, 12ºD

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