quinta-feira, 4 de outubro de 2012

"Mas, numa mão a pena e noutra a lança"

           Mesmo em guerra aberta com França, numa tentativa de a subjugar, César ao mesmo tempo que liderava as batalhas, não deixava também de se instruir.
Este verso pode também ser para Camões o retrato de si próprio, reconhecendo-se nele um tom autobiográfico. Para além de poeta (“pena”) e narrador das aventuras dos marinheiros portugueses, Camões foi ao mesmo tempo embarcadiço na viagem marítima para a Índia e guerreiro (“lança”) empenhado na defesa da pátria pela força das armas. Como poeta, Camões usou a palavra para salvar do esquecimento os feitos heróicos dos portugueses e garantir-lhes uma espécie de imortalidade. (“por obras valerosas se vão da morte libertando.”) O poeta defende que as aventuras vividas pelos marinheiros portugueses os fez rudes e insensíveis, (apesar de fortes e robustos na guerra), completamente indiferentes à arte de escrever, que é, segundo Camões, a única forma de salvar os heróis do esquecimento e dar-lhes um lugar na História. Diz que se se mantivesse a ignorância e a falta de capacidade dos embarcadiços para as letras, não haveria “Eneias nem Aquiles”, ou seja, não haveria heróis eternamente lembrados, porque não haveria ninguém capaz de registar os feitos dos portugueses, pelo que aos olhos do tempo nada teria acontecido, tudo teria caído no esquecimento completo. O poeta defende que guerreiro algum poderá ser louvado enquanto não houver interesse pela arte que o valorize, nomeadamente por intermédio da literatura. São os poetas que fazem os heróis; sem os poetas não poderia existir memória dos seus feitos. Faz também o paralelismo com os heróis da Antiguidade Clássica que para além de excelentes guerreiros eram também cultos e instruídos. Em todas as civilizações existe a conjugação da força e da inteligência; o poeta queixa-se que apenas em Portugal isso não se verifica.
Ora, é aqui que Luís de Camões entra e desempenha o papel de salvador da nação, aparecendo como um fósforo aceso na escuridão, isto é, apesar de ser também guerreiro, é diferente de todos os seus companheiros de aventura que, pelo seu analfabetismo, seriam incapazes de registar os aspectos mais relevantes da História de Portugal, pelo que é ele (Camões) que o faz. 

João Miguel Aragão

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